RITO E RITUALIDADE: Desafios em tempos de espetacularização da Liturgia
A palavra “rito” vem do latim ritus que quer dizer ordem estabelecida. Deriva também do grego artýs, cujo significado é decreto, prescrição. Para alguns estudiosos, porém, a verdadeira raiz da palavra rito pode estar no prefixo ar que significa modo de ser, disposição organizada e harmônica das partes no todo.
O dia a dia do ser humano é composto de pequenos hábitos que foram embelezados, recriados e estilizados. Os ritos do cotidiano são um conjunto de atividades organizadas que se expressam através de gestos, palavras, ações e símbolos. Nossa vida diária é cercada de rituais que compõem uma vida disposta de maneira a fluir inteiramente bem, demarcando os momentos fundamentais da vida dando a eles um caráter sagrado, de modo que quando não realizamos o rito, sentimos falta.
A liturgia é um dos lugares teológicos primeiros, porque a experiência cristã começa a fazer parte da vida humana, quando se expressa em símbolos. (TABORDA, Francisco. Lex Orandi – Lex crecendi: origem, sentido e implicações em um axioma teológico. Belo Horizonte, 35 (2003) p. 81-2).
Na Liturgia, rito é ação, na ordem da “urgia”. Expressa o Mistério Pascal de Cristo, através de gestos simbólicos e palavras narrativas. Na experiência de viver a liturgia, da liturgia e pela liturgia é que os cristãos celebram de fato a paixão, morte e ressurreição de Jesus. Na ação ritual, o conteúdo – ainda que teológico – é composto de significados, de fazeres e de palavras narrativas. No entanto, o fazer tem prioridade sobre o dizer, pois na Liturgia não dizemos o que fazemos, mas fazemos o que dizemos. Nesse sentido, forma e substância do rito são inseparáveis na performance e sem performance não existe rito.
A formalidade do rito, por assim dizer, revela sua identidade como parte da ação litúrgica. Ele não nos traz surpresas, pois sabemos como se realiza do início ao fim. É um modo de comunicação especial para propagar certas informações dentro de uma fé que é sabida, vivida e celebrada, pois Deus “quer que todos os homens sejam salvos e alcancem o reconhecimento da verdade” (1Tm 2 ,4).
O estilo litúrgico com base nos ritos é a tradução exterior da manifestação do agir de Deus em nós e compreende a essência do princípio litúrgico: “Na liturgia da terra, participamos, e, de certa maneira, antecipamos a liturgia do céu para qual caminhamos em Cristo.” (SC 8)
Alguns elementos dificultam viver a liturgia pós-conciliar, fazendo com que fiquemos à beira de meros ritualismos. Nesse cenário, é necessário prezar pelo caráter comunitário, participativo e celebrativo da Liturgia. O sagrado Concílio propõe-se fomentar a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às necessidades do nosso tempo as instituições suscetíveis de mudança, promover tudo o que pode ajudar à união de todos os crentes em Cristo, e fortalecer o que pode contribuir para chamar a todos ao seio da Igreja. (SC 1).
“Se antes [da reforma litúrgica] havia fixação, esclerose de formas, inaturalidade, que faziam a liturgia de então uma ‘liturgia de ferro’, hoje, há naturalidade e espontaneidade, sem dúvida sinceras, mas frequentemente confusas, mal entendidas, que fazem — ou ao menos correm o risco de fazer — da liturgia uma “liturgia de borracha”, incerta, escorregadiça, que às vezes se expressa em uma ostentosa liberação de toda normativa escrita. (Departamento das celebrações litúrgicas do sumo pontífice. Observância das normas litúrgicas e “ars celebrandi”, nº1).
A partir da Liturgia somos povo de Deus, povo sacerdotal, pois ela é a expressão sacramental de nossa fé. O concílio Vaticano II tem a força de recolocar no centro o essencial e a nós batizados, que partilhamos da mesma dignidade, cabe a ação de vivenciar os verbos pós-conciliares: participar e celebrar, de forma plena, ativa e consciente, pois tal participação reaproxima o povo da Liturgia e revela o mistério da Igreja.