Silenciar para contemplar
Há pouco mais de um ano, com o início da pandemia de Covid19, fomos retirados da vida “normal” e colocados sobre novas regras e protocolos. Tudo aquilo que conhecemos como natural, reunião com amigos, eventos religiosos e encontros familiares foram suspensos. Foi preciso que nos adaptássemos ao silêncio e à solitude. No início encaramos como um tempo de purificação da vida agitada que levávamos, seria essa a oportunidade perfeita para repensarmos algumas questões existenciais e a partir disto nos encontrarmos conosco e com Deus.
Transcorrido todo este tempo devemos nos questionar se aproveitamos bem o isolamento e a oportunidade de silenciarmos, ou somente resolvemos fazer trocas: as reuniões com amigos por longas chamadas de vídeos, a vida agitada por séries e filmes em serviços de streaming, o tempo perdido no trânsito por horas a fio em redes sociais consumindo conteúdo multimídia. Será que não só trocamos os happy hours por sessões de lives e conversas jogadas fora em aplicativos de comunicação?
Sejamos sinceros, aproveitamos este tempo para nos conhecermos ou fugimos a todo custo do autoconhecimento? Tivemos a audácia de ficar um tempo fora das redes sociais e nos isolarmos com nós mesmos em silêncio? Se a resposta for negativa para estes questionamentos não faz necessário perguntar se nos aproximamos de Deus nesta pandemia, pois a via para chegarmos a Deus tem dois pedágios: o silêncio e o autoconhecimento.
Pensar em silêncio como ausência de barulhos é tão reducionista quanto supor que paz é ausência de conflito. Silenciar não consiste somente em não falar ou desligar mídias sociais, mas sim em dominar os sentidos. Controlar o olhar, acalmar o tato, acostumar a audição com a ausência de ruídos, e não se render facilmente ao olfato e ao paladar. Silenciar é estar em sintonia consigo mesmo, com aquele que somos em nosso mais profundo, é deixar de olhar para fora e procurar dentro de si as respostas. Diante disso podemos concluir que não é fácil silenciar, principalmente no início este exercício gera certo desconforto.
Precisamos nos reeduca. Viemos de uma geração que foge do desconforto e busca o bem estar a todo custo, em nosso imaginário é inconcebível a ideia de sacrifício para alcançar algum objetivo, por isso silenciar ainda é difícil. Quando nos deparamos com este desconforto inicial já agarramos o celular, procuramos algo no youtube ou netflix, mandamos mensagem para algum conhecido, pois precisamos de uma válvula de escape que nos retire desta “dor”. Porém, se formos resilientes e suportarmos este processo poderemos passar para a próxima fase do silêncio: a contemplação.
O filósofo Hugo de São Vitor define contemplação como uma visão livre e perspicaz da alma de coisas amplamente esparsas. Contemplar não é pensar sobre algo, imaginar suas origens e desdobramentos, mas sim ordenar aquilo que já é conhecido previamente. Colocar no seu devido lugar todo o conhecimento adquirido no ato de silenciar, ordenar os pensamentos confusos do início do silêncio. Poderíamos classificar a contemplação como um segundo estágio do silêncio. Podemos pensar em uma bela flor, um girassol, é como se no silêncio através do pensar e meditar fosse plantado, regado e cuidado. A contemplação é a hora do deleite, observá-lo, admirá-lo e por fim colhê-lo.
Depois do longo processo de silenciar, pensar, meditar e contemplar então chegamos a Deus é neste ponto que nossa alma percebe que tudo vem d’Ele, por meio d’Ele e voltará a Ele. É o ápice de nossa vida terrena, pois como diz o Doutor Angélico São Tomás de Aquino, ‘’A perfeita felicidade do homem encontra-se na contemplação da verdade’’. E este é o ponto em que, livre e conscientemente, sem possibilidade de retorno, optamos por Deus, por Seu Plano de Amor. É aqui que entendemos que nada é maior do que o Amor de Deus e a certeza de que o Céu é o nosso lugar torna-se absoluta.
Por: Felipe Ribas da Silva
Seminarista 1º ano de filosofia
Fapas – Santa Maria