Diocese de Cruz Alta

Artigos › 26/06/2020

Sobre gafanhotos, a Bíblia e a peste


A Palavra de Deus é viva e comunica vida; não profetiza morte, e nem a mensagem de um Deus que mata. O leitor da Escritura, para não cometer equívocos de análise ou interpretação sobretudo a respeito de leituras do Antigo Testamento; primeiro, não devia Lê-lo sem conhecer o contexto histórico da época, a intenção do autor, e o sentido espiritual e teológico da construção narrativa do que é lido; do contrário se dá margem para interpretação ou fundamentalista, mágica ou “desproporcionalmente” apocalíptica. E, a palavra de Deus não é nada disso.

A Palavra nos fala na história, sobre a história e para a história até seu realizar escatológico; ou seja; o valor de sua mensagem tem poder e influência no hoje do tempo, mas carrega a narração da vida de relação com Deus de quem nos precedeu na experiência de descobrir sua própria fé, e seu conteúdo, justamente pela carga de experiências narradas é crucial para a formação do senso de fé atual, e ainda, tem seu caráter atemporal por em todo tempo e lugar, escrutinar o espírito humano e suas relações consigo mesmo, Deus, a criação e seus semelhantes.

Tem circulado um recorte de Segundo Livro de Crônicas 7, 13-15 alertando sobre peste, seca e gafanhotos e outras moléstias, seguido de uma ordem de conversão e humilhação para que Deus retire do seu povo e suas terras as intempéries e ameaças a sua vida e saúde. Não se trata aqui nem da ameaça de um Deus que pune quem não reza, nem de um previsão cronológica para o tempo atual ou qualquer outro momento da história. É sobretudo, um relato teológico sobre a condição humana diante da imprevisibilidade da natureza e a ação desiquilibrada do homem com o meio que o cerca.

Não é, a oração uma barganha para mudar a vontade de Deus e retirar o mal, mas, deveria ser esta uma experiência de conversão da nossa vontade para a comunhão com a vontade de Deus, que é a vida em plenitude.

A peste, a infestação de pragas e o clima são teologicamente sinônimos de realidades que embora fujam ao controle e a capacidade do homem defender-se tem de alguma forma relação com a forma como este usa da criação e sua responsabilidade de cuidá-la. Epidemias e outras moléstias ocorrem na história da humanidade desde os tempo bíblicos, e a forma como estas são relatadas na Bíblia é a do castigo divino por que era essa a imagem e a forma como o redator enxergava sua experiência de fé, quando não, também, por persuasão para passar uma mensagem forte de conversão sobre tons morais, pois para coração em que o medo fala mais alto que a fé, a consciência tende a agir mais pelo temor e tremor do que pelo amor livre e desinteressado e misericordioso. Não é errado essa compreensão daquela época, é fruto de seu tempo e como tal deve ser entendida.

O retornar em humildade para que Deus livre o povo é antes, um convite para que o homem entenda seu lugar pequeno diante do que o cerca, e é uma pregação de misericórdia da ação de Deus. A liberdade bíblica nunca foi liberdade da infelicidade ou da cruz, mas a liberdade de coração para que o homem aceite sua condição finita sem se desesperar da sua condição de filho de Deus que peregrina até a eternidade. Vejo com curiosidade que ainda hoje, é quando aperta o medo que uma faísca de fé surge, mas essa fé precisa ser maturada pois “ovelhas que buscam conhecimento e pastoreio, pelo medo, caem mais fácil nas garras dos lobos”.

O perigo e o erro estão em que pregações desproporcionalmente apocalípticas, e que se inserem uma esteira mitológica e ouso dizer pagã, pois cultuar ao Deus de Jesus Cristo por barganha de promessa, sacrifícios e dízimos “punitivos” é ir na contramão do que sua paixão, morte e ressureição nos ensinam e alcançaram para nós: A LIBERDADE DE FILHOS DE DEUS, e filhos, o Pai não trata como empregados nem impõem o fardo duma religião que oprime, mas um ideal de seguimento que converte por amor.

A Bíblia não está se cumprindo agora. Tudo nela já se cumpriu. A Palavra definitiva que Deus tem a humanidade é Cristo, Palavra encarnada na nossa carne, no nosso sangue e na nossa história. Pinçar um versículo isolado para justificar uma imagem punitiva de Deus, ou promover previsão de futuro sobre o fim dos tempos usando a Escritura é ir na contramão da ação do Espirito Santo, e mais do que isso, é pretender que Deus aja segundo nossas especulações ou vontade, e, quando esta vem de quem tem a responsabilidade de guiar o povo, não passa de charlatanismo, tão condenado pela própria Escritura também.
O que está se cumprindo agora e sempre da Bíblia, é sua mensagem eterna da ação de Deus que falando e agindo na história do povo de que nos fala a Bíblia fala também a nós por analogia, inspiração e desejo de que inspirados na Escritura não repitamos os erros de nossos antepassados.

A escatologia Bíblica, isto é, o que ela nos fala sobre o fim da história, pertence a Deus. Os sinais que vemos, já ocorreram antes, por que o tempo sempre acaba para todo mundo, como já acabou para diversas civilizações e culturas, cujos sinais foram interpretados como divinos por exceder a capacidade de compreensão da época que ocorreram.

Hoje, nenhum destes sinais está fora do alcance da ciência, e justamente por isso, é que a Palavra é profética, o profeta não é o que adivinha o futuro, mas lê a realidade de seu tempo com os olhos da fé e da ciência que tem do meio a seu redor. Na Bíblia, o profeta sempre alerta que o futuro não será bom se o presente não mudar, por que no passado já não vinha bem. Essa é a mensagem de Crônicas 7, 13-15; é o dado de nosso tempo, é o alerta profético da Escritura, que não nos fala de abstrações mágicas, mas da realidade em que se encontra e ilumina quando lida com discernimento e responsabilidade. E é nisso que se “cumpre” a Bíblia.

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